PEDRO MIWA

O JARDIM CONTEMPORÂNEO

ㅤㅤContemporâneo é aquilo que pertence ao tempo atual, é o reflexo do modo de ser, agir e pensar de uma sociedade em um período determinado no tempo. No tempo presente a praticidade é imperativa, o tempo por vezes insuficiente, o grande volume de informação caminha na velocidade da luz. Com base nestes pontos o jardim atual deve ser prático, por vezes “clean”, contudo, sem perder o encanto e a serenidade que a natureza traz aos ambientes em que está presente.

REFLEXOS DO MODERNISMO

ㅤㅤO movimento modernista, ocorrido na década de 1920, trouxe uma ruptura com as formas de expressão artística em todos os setores, incluindo a arquitetura, o urbanismo e por conseqüência o paisagismo. A sociedade vivia os reflexos do pós-guerra (Primeira Guerra Mundial, 1914-1918), o modo industrial de pensar e a linguagem de “linha de produção” permeavam a cultura e no setor artístico, tudo o que era acessório e “decorativo não funcional” passou a não ser considerado como forma de expressão.
ㅤㅤAs obras de arte passaram a ter visual “limpo”, com valor estético não figurativo, o impacto que causavam no observador vinha do uso de novos materiais e técnicas, o abstrato ganha força e a linguagem artística galga um novo patamar intelectual. No campo da arquitetura, urbanismo e paisagismo, surge uma profusão de formas geométricas puras, a função e o uso passam a comandar a linha de projeto, numa frase sintética o arquiteto Mies Van der Rhoe, da famosa escola Bauhaus, define o momento: “Menos é Mais”.

O PAISAGISMO MODERNO

ㅤㅤAté o movimento modernista os jardins e espaços verdes eram concebidos e organizados sob as regras de estilos europeus que procuravam domar a natureza, conferindo a esta um caráter formal de estética simétrica e visual contido. O estio clássico francês caracteriza-se pela eloqüência, o inglês pela linguagem de flores e ervas, o mediterrâneo pelo uso contido de plantas e valorização dos pisos; em comum todos tinham a característica de um esmerado trabalho de composição que emoldurando a paisagem ao redor procurava com esta criar uma todo complexo de perspectivas, muitas vezes valorizando um ponto focal.
ㅤㅤO paisagismo moderno difere dos seus predecessores, pois se apropria de linguagens de outras formas de arte, em especial da pintura e da escultura abstratas e as reinterpreta criando novas estéticas com movimentos, padronagens e distribuição de elementos até então inéditos. A ruptura com o classicismo e a procura do novo e inusitado passaram a ser os elementos que norteavam esta nova maneira de ver e interpretar a paisagem. No modernismo o jardim passou a ser uma arte em si própria, quando não havia paisagem alguma o jardim tratava de criá-la.

A LINGUAGEM CONTEMPORÂNEA DO JARDIM

ㅤㅤEmbora jardins de diferentes estilos sejam elaborados, nos dias atuais sem dúvida o estilo contemporâneo é o mais usual. Em linhas gerais pode-se dizer que é um estilo livre de composição que tem raízes no estilo inglês e no modernismo. O que se busca neste estilo é a mescla equilibrada de um visual natural de campo ou mata com bordaduras e canteiros com espécies de folhagens e flores perenes de baixa manutenção; por vezes o jardim contemporâneo possui citações de outros estilos como o oriental, o árido e o tropical. A marca indelével deste estilo é a sensação de integração com a arquitetura e a criação de cenários que valorizem os áridos espaços urbanos.
ㅤㅤDesta forma se há uma arquitetura de formas limpas e puras o jardim será minimalista e terá espécies vegetais que possuam uma tipologia escultural, distribuída em planos limpos e neutros.
Em contra ponto se a arquitetura é robusta e volumosa, o jardim poderá apresentar o uso de espécies tropicais de grande porte como árvores e palmeiras, as massas vegetais serão mais densas e o uso de alguns planos fechados dividindo o espaço será necessário para equilibrar o conjunto.

ㅤㅤDentro de uma linha no tempo pode-se perceber que a linguagem modernista de jardim passou a ser menos rígida e aceitar e incorporar novos elementos estéticos após a Segunda Guerra (1939-1945), na década de 1950 obras de arte e a linguagem oriental ganham força, a partir deste ponto o purismo modernista cedia espaço às novas experimentações era o início de uma linguagem estética mais informal, – nasciam as bases para o contemporâneo.

ㅤㅤNas décadas de 1960 e 1970 novos elementos como texturas naturais e artificiais passaram a estar presentes na composição dos jardins, o uso de painéis coloridos e marcos visuais, como memoriais e esculturas de grande dimensão emprestam ares de galeria de arte aos espaços abertos. Na parte de vegetação a linha de composição passa a valorizar a inter-relação de espécies e surgem pontos nos jardins que se assemelham a ordenação natural de espécies.

ㅤㅤO período final do séc. XX, décadas de 1980 e 1990 marcam um momento de nostalgia e muitos elementos das décadas anteriores são revistos e reinterpretados, criando uma mescla caleidoscópica de linguagens estéticas e ambientações. O emprego de elementos típicos da linguagem oriental como o uso de espelhos d’água e a visão minimalista do modernismo também são revistos e empregados na composição de espaços públicos e particulares.

ㅤㅤNo início do séc. XXI momento presente é um período marcado por uma preocupação crescente quanto às condições ambientais nos grandes centros urbanos e um melhor uso dos recursos naturais, assim as composições paisagísticas adotam elementos que maximizam o verde em pequenos espaços como as paredes vivas e os telhados ecológicos. As áreas verdes não mais vistas como acessórios decorativos, mas sim, como itens indispensáveis na cidade atual, verdadeiros equipamentos urbanos que provém ar-puro, contribuem na regulação dos ciclos de águas pluviais e que mantém agradáveis os parâmetros de umidade do ar reduzindo o efeito ilha de calor urbano.
ㅤㅤQuanto ao uso de materiais destacam-se as forrações inertes à base de reciclados ou reaproveitamentos, como: – as lascas de pneus pigmentadas, os fragmentos de vidro, as cascas de árvore, os cacos cerâmicos e de azulejos, enfim a experimentação e o reuso são tônicas do momento à procura de mitigar os impactos que a sociedade pós-industrial impõe ao planeta.
ㅤㅤA estética de composição é mais livre, e desde que haja coerência é possível combinar novas cores e texturas na busca de sensações que não tão usuais. Exemplo disto é o emprego de instalações artísticas e elementos tecnológicos em meio às plantas e aos materiais naturais, jardins com estética campestre em meio às cidades, jardins sensoriais e interativos, composição de espécies variadas desde que agrupadas com coerência em relação às necessidades ecológicas de cada uma.

A sociedade é o reflexo de seu tempo e a paisagem o palco onde se desenvolve este eterno espetáculo em busca do aperfeiçoamento da expressão artística. O jardim como arte é um dos modos pelo qual o homem se mantém próximo a natureza, reinterpretando-a e conferindo-lhe caráter e ordem que expressam seus sentimentos e ideias.