Burle Marx, um século do gênio.
Quando se fala em paisagismo no Brasil é impossível não deixar de citar o nome de Burle Marx, um gênio criativo que a partir do casamento das artes plásticas com a flora tropical brasileira revolucionou a estética paisagística criando verdadeiras obras de sensibilidade e força estética.
Personalidade criativa
Reconhecido internacionalmente por suas obras, Roberto Burle Marx, está alinhado com as grandes personalidades criadoras e artistas do séc. XX. Desenhista, pintor, grande conhecedor de botânica, cenógrafo, músico, escultor, paisagista, ao se apreciar qualquer prisma da personalidade polimórfica deste grande artista é preciso saber que se está diante de um homem único que viveu intensamente a vida expressando-se artisticamente e presenteando a sociedade com os frutos de seu trabalho.
A sua vida é um permanente processo de pesquisa e criação. A obra do botânico, do jardineiro, do paisagista, se alimenta da obra do artista plástico, do desenhista, do pintor e vice-versa, num contínuo vaivém.
A presença de Burle Marx como contemporâneo em nossa sociedade (ele faleceu em 1994 em se sítio em Guaratiba – RJ) ficou marcada como a de um indivíduo atuante até a véspera da morte, um homem sem pose, alegre, entusiasta, um denunciante da degradação contra a vida e da destruição da natureza, características que enriquecem e trazem entendimento sobre o espírito de suas criações.
Além de fundir paisagismo, arte e ciência, onde interagem elementos das culturas latino-americanas, européias e também orientais, Roberto Burle Marx mostrou nas suas obras de modo bi-dimensional e tri-dimensional a fluidez, a beleza e a harmonia ocultas na combinação da natureza com o espírito inventivo humano.
A expedição Amazônica
Aos primeiros anos da década de 1980 é organizada uma expedição rumo à Amazônia, com uma equipe multidisciplinar formada por botânicos, fotógrafos e arquitetos paisagistas. Esta grande empreitada sob o olhar atento de Burle Marx, durante 53 dias, percorre mais de 10 mil quilômetros.
O trajeto da expedição abrange as localidades de Boa Vista, Cuiabá, Porto Velho, Manaus e Belém; tendo como objetivo principal descobrir e estudar novas espécies de plantas com valor ornamental que viessem a contribuir para o aumento do acervo botânico nacional e para a ampliação do vocabulário paisagístico de plantas nativas.
A expedição foi organizada e dirigida como as de Von Martius, Saint-Hilaire e Gardner, resgatando o espírito de investigação científica dos viajantes europeus oitocentistas. A rotina de observação das espécies, coleta de exemplares, documentação e catalogação, embalagem de plantas vivas, prensagem e secagem de material de herbário, aliada aos hábitos de dormir acampado em postos de gasolina e alimentar-se poucas vezes ao dia, deram o toque de aventura científica à viagem.
O olhar atento de Burle Marx modifica o foco de como se percebe a natureza e durante a expedição a busca pelo raro e pelo diferente não foi o centro principal das atenções, mas a valorização das espécies rústicas, tidas como mato em seus locais de origem e seu uso potencial de forma ordenada em canteiros e jardins. Outro foco importante, a luta pela preservação da flora brasileira e pela riqueza que se perde antes que seja efetivamente descoberta e descrita pela ciência.
Burle Marx, fez anotações e observações sobre as áreas de transição nas quais, Cerrado e Amazônia se sobrepõe em uma mescla insólita de plantas originárias destes biomas. A ausência de uniformidade nestas formações chama a atenção do paisagista que vê em meio ao caos ordenado a possibilidade prática da aplicação desta linguagem estética em seus trabalhos.
Burle Marx também fez menção à vasta incidência de palmeiras, destacando o porte colossal, a beleza, a adaptabilidade e o valor estético deste grupo de plantas; registrou a ocorrência das imbaúbas que colonizam as áreas desmatadas e fustigadas pelo fogo; que colonizam os locais desgastados e secos, exauridos pelo homem, mostrando a capacidade e o dinamismo intrínseco da natureza em recuperar-se e não se render a domesticação do ambiente.
Coleção de pensamentos
Seguem algumas ponderações de Burle Marx a respeito de temas observados e suas implicações na forma como se vê, sente e interage com a natureza, a arte e o ser.
Sob o ponto de vista artístico, deve o jardim moderno obedecer a uma idéia básica, com perspectivas lógicas e subordinadas a uma determinada forma de conjunto... quanto à composição de meus jardins, há sem dúvida uma parte artística que tudo deve aos elementos abstratos.
Sobre o jardim, e a arteEsta transição é gradual e só quem conhece a vegetação percebe indícios de uma formação dentro da outra. Paisagisticamente, entretanto, essa mudança é espetacular. De arvoretas com troncos e galhos retorcidos e corticosos, separadas por um tapete de ervas e capins, que colorem a paisagem de amarelo palha, passa-se a um emaranhado de galhos secos e espinhosos, que impedem qualquer tentativa de penetração.
Sobre a transição da vegetação do cerrado para caatingaSe faço jardins não quero fazer pintura, se faço pintura não quero fazer gravuras em madeira, se faço xilogravura não quero fazer litografia, cada especialidade pede uma técnica e um meio de expressão. Por isso me bato muito: não quero fazer pintura que seja jardim. Que a pintura e todos os problemas artísticos tenham influenciado meu conceito de arte, não há dúvida. Tenho procurado na vida não me cingir a uma fórmula. Detesto fórmulas. Eu amo princípios.
Sobre as leis básicas que se aplicam a qualquer arteDentro da linha de pensamentos deste homem impar, é preciso refletir, reavaliar, olhar a arte e a natureza sob um outro prisma, deixar que a beleza sensibilize a alma e abrande a rotina cotidiana.
Em realidade tivemos o privilégio de ver agindo entre nós um dos fundadores do espírito modernista em nosso país, um homem que fez do usual algo extraordinário, valorizando e demonstrando em sua obras o potencial da natureza e do espírito inventivo do Brasil, aplausos a Roberto Burle Marx (1909 - 1994).

Sob o ponto de vista higiênico, o jardim moderno representa nas grandes cidades um verdadeiro pulmão coletivo. Sob o ponto de vista educacional, o jardim moderno tem como objetivo trazer para o habitante da cidade um pouco de amor pela natureza, fornecendo-lhe os meios para distinguir sua própria flora da exótica e dar-lhe a ideia nítida da utilidade do jardim simultaneamente a uma capacidade de distinção da verdadeira beleza do pieguismo baseado em concepções falsas.
Sobre o jardim, a cidade